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Artigo | O Figurino no Cinema: A Alma Visual do Personagem

O Grande Gatsby | Divulgação
O Grande Gatsby | Divulgação

Sempre fui fascinado pelo poder do figurino no cinema. Embora muitas vezes passe despercebido pelos espectadores, o que vestem os personagens – os trajes, acessórios e até mesmo as cores que escolhemos para representá-los – tem um papel crucial na construção da narrativa.


Ao longo dos anos, aprendi que o figurino não é apenas uma questão de moda, mas uma ferramenta poderosa para aprofundar a história, revelar traços psicológicos dos personagens e até mesmo estabelecer o tom de um filme.


Quando penso no trabalho de um figurinista, me lembro de como uma simples peça de roupa pode falar mais sobre um personagem do que mil palavras. Se um personagem entra em cena com um terno bem cortado, isso já transmite imediatamente uma mensagem sobre seu status, sua personalidade e suas intenções. Por outro lado, um traje mais desgastado pode nos falar sobre a luta interna ou a decadência de um indivíduo.


Em O Grande Gatsby (2013), dirigido por Baz Luhrmann, o figurino se torna uma extensão da extravagância e do vazio da alta sociedade da década de 1920. As roupas de Gatsby, interpretado por Leonardo DiCaprio, são cuidadosamente escolhidas para refletir sua busca incessante por status e reconhecimento.


Cada peça, desde o terno branco impecável até os acessórios luxuosos, transmite o desejo desesperado de viver no sonho americano, mesmo que esse sonho seja ilusório. O figurino aqui não é apenas para enfeitar o personagem, mas para dar profundidade à sua luta emocional e social.

Blade Runner 2049 | Divulgação
Blade Runner 2049 | Divulgação

O figurino também é essencial para a construção do mundo em que a história se passa. No meu processo criativo, vejo como uma boa escolha de vestuário pode ajudar a criar um ambiente visualmente coeso e autêntico.


Em filmes históricos ou de ficção científica, por exemplo, as roupas têm o poder de transportar o público para outra época ou para um universo completamente diferente, fazendo com que a imersão na história seja mais completa.

Em Blade Runner 2049 (2017), dirigido por Denis Villeneuve, o figurino é um exemplo perfeito de como a moda pode comunicar não apenas a estética de um futuro distópico, mas também os conflitos sociais que ele contém.


Os trajes são uma mistura de elementos futuristas e retrô, refletindo uma sociedade no limiar do colapso. O contraste de roupas de cortes simples com tecnologias avançadas representa a luta entre a humanidade e a artificialidade. O figurino ajuda a criar uma atmosfera tensa e desconfortável, sem nunca ser excessivamente explícito.


Algo que realmente me encanta no figurino é a maneira como ele pode transformar completamente um ator. Muitas vezes, ao vestir o personagem, o ator começa a se tornar outra pessoa, a viver dentro de outra pele. O figurino não é apenas um acessório, mas um convite à imersão na personagem. O modo como uma personagem se move, a forma como se comporta diante dos outros e até a confiança que ela transmite podem ser profundamente afetados pelo figurino.

Cisne Negro | Divulgação
Cisne Negro | Divulgação

Quando penso em um exemplo marcante, Cisne Negro (2010), de Darren Aronofsky, vem imediatamente à mente. O figurino de Natalie Portman, especialmente durante a transição de sua personagem, Nina Sayers, de uma bailarina inocente para o lado mais sombrio e selvagem de seu ser, é fundamental para essa transformação.


As roupas de Nina começam como trajes de balé tradicionais e controlados, mas à medida que ela se liberta, seu figurino vai se tornando mais ousado e mais distorcido. O figurino, portanto, se torna uma ferramenta narrativa que acompanha a jornada psicológica da personagem.


O figurino também tem um papel importante ao abordar questões sociais, políticas e culturais. Em muitos filmes, as escolhas de vestuário ajudam a refletir ou até mesmo criticar certos padrões e normas da sociedade. O figurino pode ser uma declaração visual importante sobre os temas de um filme, e para mim, isso torna a experiência cinematográfica ainda mais envolvente.


Um ótimo exemplo disso é Os Vingadores (2012), onde os trajes, embora em um contexto de super-heróis, têm significados próprios. O traje de Capitão América, com suas cores patrióticas e design militar, faz uma clara referência ao papel de Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial, sendo um reflexo direto da época e da ideologia de seu personagem.


Já o traje de Viúva Negra, mais tático e escuro, reflete a natureza secreta e o passado sombrio da personagem, sendo, portanto, mais contido. Cada traje ajuda a moldar a narrativa e o contexto social de forma visual.

O Senhor dos Anéis | Divulgação
O Senhor dos Anéis | Divulgação

Nos filmes de gênero, o figurino tem um papel ainda mais específico, ajudando a criar uma identidade imediata para o público. Em filmes de ação, como Mad Max: Estrada da Fúria (2015), dirigido por George Miller, os figurinos se tornam quase parte da paisagem distópica, falando sobre a escassez e o caos do mundo.


Cada peça de roupa, desde o visual rebelde de Max até as vestimentas extravagantes de Immortan Joe e suas warboys, está repleta de significado, refletindo a luta pela sobrevivência e os elementos de controle e opressão no filme.


Já em filmes de fantasia como O Senhor dos Anéis (2001-2003), o figurino vai além da estética, ajudando a distinguir as diferentes culturas e raças, como os elfos, os anões e os humanos.


O traje do elfo Legolas, com sua leveza e simplicidade, reflete a conexão de sua raça com a natureza e sua habilidade sobrenatural. Já o traje de Gimli, o anão, mais robusto e pesado, reflete sua força física e a resistência de sua cultura.


Ao longo de minha experiência no cinema, aprendi a ver o figurino como um personagem silencioso que contribui de forma vital para a narrativa. Ele não é apenas uma adição estética; é uma parte da história.


Quando bem feito, o figurino pode contar tanto quanto o roteiro ou a direção. Ele ajuda a revelar quem são os personagens, de onde vêm, para onde vão e, em muitos casos, até como eles se sentem. Roupas e acessórios têm o poder de transformar um bom filme em um filme inesquecível, oferecendo aos espectadores mais uma camada para explorar. Para mim, o figurino é uma das ferramentas mais ricas e subestimadas no processo criativo do cinema.

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