Artigo | Cinema e Cronofobia: A Busca Impossível Pela Juventude
- Jam Nascimento
- 24 de abr.
- 7 min de leitura

Desde sempre, o cinema teve essa tendência de mostrar as nossas maiores preocupações, e poucas coisas nos angustiam tanto quanto a ideia do tempo passando e a gente envelhecendo, não é?
A cronofobia, que é um medo intenso dessa passagem do tempo, já apareceu em muitos filmes, às vezes de um jeito direto, outras vezes nas entrelinhas.
E o jeito que os filmes mostram essa sensação pode variar bastante, desde dramas existenciais até filmes de ficção científica, o que só reforça o quanto esse tema mexe com a gente, tanto emocional quanto filosoficamente.
Um jeito bem óbvio de ver esse fenômeno acontecer no cinema é quando os personagens ficam obcecados por juventude e tentam de tudo para não envelhecer, como em histórias sobre imortalidade ou rejuvenescimento artificial.

Em A Morte lhe Cai Bem (1992), o diretor Robert Zemeckis faz uma sátira dessa busca desesperada pela eterna juventude, mostrando personagens que usam métodos bizarros pra não envelhecer, e o resultado é uma deformação grotesca que deixa bem claro o quão ridículo é tentar enganar o tempo.
Já de um jeito mais sério, O Curioso Caso de Benjamin Button (2008) usa a ideia de um cara que nasce velho e vai ficando jovem como uma metáfora potente sobre o impacto do tempo e as perdas que a gente tem na vida.
Além dessa busca pela juventude eterna, o medo do tempo também é muito explorado através da memória e daquela certeza de que a vida acaba. Em Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças (2004), a ideia de apagar as memórias de um relacionamento que não deu certo mostra não só a dor de perder um amor, mas também aquele desejo inconsciente de controlar como a gente lembra do tempo.

A cronofobia se manifesta na recusa em aceitar a irreversibilidade do tempo, gerando uma forte angústia que se traduz no desejo de reviver momentos passados ou até mesmo de parar o tempo. Esse anseio pode aparecer de diversas formas, desde a busca por uma segunda chance até a negação do próprio envelhecimento.
Um exemplo clássico dessa angústia é O Grande Gatsby (2013). Jay Gatsby dedica a vida inteira a tentar trazer o passado de volta com Daisy Buchanan. Para ele, o tempo não tinha que seguir em frente; ele acreditava que dava para deixar tudo exatamente como era antes, ignorando que as coisas, as pessoas e até ele mesmo tinham mudado.

Essa obsessão vira uma metáfora para essa nossa dificuldade de aceitar que certos momentos se perdem para sempre, sendo essa uma das grandes questões desse medo intenso.
Outro filme que mostra isso de um jeito bem interessante é Meia-Noite em Paris (2011), de Woody Allen. O protagonista, Gil, sente que nasceu na época errada e fica idealizando o passado como se fosse um lugar mais autêntico e importante do que o presente.

Só que quando ele viaja no tempo e conhece um monte de gente famosa do passado, ele percebe que as pessoas daquela época também ficavam sonhando com tempos ainda mais antigos, mostrando que essa insatisfação e essa nostalgia parecem não ter fim.
O filme ilustra bem como a cronofobia pode levar a gente a criar uma imagem perfeita do que já passou, o que acaba nos impedindo de valorizar o que a gente tem agora.
Essa resistência ao tempo também aparece de um jeito bem angustiante no drama psicológico Réquiem para um Sonho (2000). A personagem Sara Goldfarb não quer de jeito nenhum aceitar que está envelhecendo e se agarra à ilusão de juventude através de uma obsessão destrutiva com a aparência dela.
O filme mostra como negar o tempo pode levar a gente a se desconectar da realidade e a se deteriorar tanto por dentro quanto por fora. Diferente de outras histórias onde os personagens tentam mudar o tempo ativamente, Sara tenta congelar o tempo, resistindo à passagem dos anos até ser completamente engolida pela própria ilusão.

A ficção científica, que adora mergulhar no tema do tempo e da cronofobia, explora frequentemente a resistência ao tempo de forma literal e criativa, discutindo como a passagem dos anos afeta a gente psicologicamente.
Em No Limite do Amanhã (2014), o protagonista revive o mesmo dia sem parar, num ciclo infinito, virando um prisioneiro do tempo. O filme usa essa repetição para explorar o medo de que certas coisas não têm volta e a necessidade de aceitar o fluxo natural do tempo para poder seguir em frente.
De um jeito parecido, Feitiço do Tempo (1993) usa a ideia do loop temporal para representar como o personagem principal está preso emocionalmente, e ele só consegue sair dessa quando aprende a dar valor ao presente e a evoluir como pessoa.

Em A Chegada (2016), a maneira como a história é contada, sem seguir uma ordem cronológica, desafia a nossa percepção normal do tempo e leva a protagonista a aceitar que o futuro e as experiências que ainda virão são inevitáveis.
Já em Interestelar (2014), a ideia da dilatação do tempo não é só uma coisa científica, mas também algo que mexe muito com as nossas emoções. A cena em que Cooper volta para nave depois de uma missão e percebe que se passaram décadas para as pessoas que ele ama na Terra ilustra de um jeito bem forte a angústia de perder tempo e de se sentir distante de quem a gente ama.

Outro exemplo que importante é O Homem que Caiu na Terra (1976), onde um alienígena interpretado por David Bowie sente uma forma extrema de cronofobia ao ver que, enquanto ele continua igual, as pessoas ao redor envelhecem e morrem, deixando ele cada vez mais sozinho e desolado.
O terror psicológico também pega carona nesse medo para nos deixar angustiados e desconfortáveis. Filmes como O Sexto Sentido (1999) e A Casa do Lago (2006) mostram como essa desconexão no tempo pode criar uma tensão emocional, onde os personagens vivem coisas que desafiam a ordem normal do tempo e reforçam como a gente é impotente diante dessa passagem.
Mas talvez nenhum filme de terror tenha mostrado esse fenômeno de um jeito tão visceral quanto Corrente do Mal (2014).
A entidade que persegue os personagens sem parar pode ser vista como uma metáfora para o tempo passando e a morte sempre chegando, uma ideia que conversa muito com a angústia que a gente sente por ser humano.

E não é só na história que a cronofobia aparece no cinema, a forma como o filme é feito também pode enfatizar essa sensação. Usar uma montagem bem rápida para mostrar o tempo passando, manipular a trilha sonora para criar uma sensação de urgência e usar cores frias e lugares vazios são algumas das técnicas que os diretores usam para deixar ainda mais forte essa sensação de que a gente tá perdido no tempo.
Christopher Nolan é um dos cineastas que mais exploram essa questão do tempo nos filmes dele, desde Memento (2000), onde o protagonista não consegue guardar novas memórias e vive preso num pedacinho da realidade, até Tenet (2020), que bagunça a nossa percepção de causa e efeito, criando um efeito meio perturbador que reflete essa fluidez do tempo.
Como você pode perceber, a cronofobia no cinema não fica restrita a um tipo de filme só e aparece de várias formas, seja no medo de envelhecer, na tentativa de fugir do tempo ou naquela angústia de saber que o tempo não volta.
O fato desse tema aparecer tanto mostra como essa preocupação é universal e como o cinema, sendo um espelho da nossa mente, continua explorando isso de maneiras sempre novas. Ao abordar essa questão com profundidade, os filmes não só nos fazem pensar sobre o tempo nas nossas próprias vidas, mas também nos ajudam a lidar com esse medo que todo mundo tem de existir.

Outra coisa interessante de pensar é como a cronofobia se conecta com o avanço da tecnologia e essa nossa sociedade cada vez mais digital. Com a chegada das redes sociais e essa cultura imediatista, a nossa percepção do tempo tem ficado cada vez mais acelerada, levando muita gente a sentir uma ansiedade constante sobre os anos passando e o medo de não aproveitar o presente.
Filmes como Ela (2013), que fala sobre a relação entre humanos e inteligência artificial, exploram essa ideia ao mostrar personagens que tentam preencher o vazio que sentem por causa dessa fragmentação do tempo.
O tempo no cinema também pode ser usado como um truque na história para questionar o que é real e o que não é. Filmes como Donnie Darko (2001) e O Homem Duplo (2006) usam a ideia de realidades paralelas e de como a gente percebe as coisas de um jeito distorcido para deixar ainda mais forte o impacto psicológico da cronofobia, nos levando a questionar não só se o tempo segue uma linha reta, mas também como a gente se relaciona com ele.
Esses filmes expandem a discussão para além da ansiedade de envelhecer e mergulham num debate filosófico sobre o que significa existir dentro desse fluxo do tempo.

O cinema, como uma forma de arte que nos faz pensar, vai continuar explorando esse tema de várias maneiras, ajudando a gente a entender melhor como lidamos com o tempo e com a certeza de que um dia vamos envelhecer.
E ao ver como os filmes tratam desse assunto, a gente também encontra novas formas de lidar com esse medo tão fundamental da nossa existência.
No fim, a cronofobia no cinema não é apenas sobre envelhecer ou perder tempo, mas sobre como lidamos com a impermanência. O cinema nos força a encarar essa angústia, e, ironicamente, ao assistir a um filme, entramos temporariamente em outra dimensão do tempo, onde por algumas horas, ele parece suspenso.
Talvez seja essa a grande ironia: usamos a arte para fugir daquilo que mais tememos – apenas para, no escuro da sala de cinema, sermos confrontados por ele de novo.
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