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Artigo | O Cinema e a Censura: Um Legado Histórico

À Beira do Abismo | Divulgação
À Beira do Abismo | Divulgação

A censura no cinema sempre foi algo complicada e controverso. Como alguém que ama a sétima arte, eu fico fascinado, mas, ao mesmo tempo, meio inquieto, de pensar em como essa prática moldou o cinema em diferentes lugares e épocas.


Por um tempo enorme na história do cinema, as autoridades impuseram regras bem duras sobre o que podia ou não passar na tela, e nem sempre essa censura era só por causa de conteúdo ofensivo; muita coisa era barrada por questões políticas, culturais e sociais.


Ao longo da minha caminhada no mundo do cinema, eu fui percebendo como esses diferentes tipos de censura afetaram a maneira como os filmes eram feitos e distribuídos. E como cineasta, eu também me pergunto até onde a censura ainda mexe com as produções de hoje, mesmo em países que falam que temos mais liberdade para se expressar.


Neste artigo, vou compartilhar um pouco sobre como a censura deu as caras no cinema, desde quando tudo começou até agora, e como ela acabou sendo tanto um obstáculo quanto, ironicamente, uma força que gerou criatividade.


Nos primeiros anos do cinema, a censura aparecia mais nas cidades e nos estados, com regras locais que proibiam a exibição de filmes que eles achavam que eram moralmente perigosos.


Nos Estados Unidos, por exemplo, criaram o "Código Hays" em 1930, que era uma tentativa de controlar a moral nos filmes, principalmente aqueles que mostravam sexo, violência e temas religiosos ou políticos de um jeito que causava polêmica.


Esse código proibia até sugerir relações fora do casamento, usar palavras ofensivas e até mostrar bebida alcoólica nos filmes, o que obrigava os cineastas a contar histórias seguindo um padrão bem rígido.


O resultado dessa censura foi um cinema que ficou mais certinho e conservador, mas, por outro lado, isso forçou os cineastas a serem mais criativos. Em vez de mostrar o que era proibido, muitos filmes começaram a dar a entender, a sugerir as coisas.


Aquela cena famosa do beijo entre o Humphrey Bogart e a Lauren Bacall em À Beira do Abismo (1946) é um exemplo disso. A censura não deixava o beijo ser muito longo, então, os diretores aproveitaram para criar uma tensão dramática através da sugestão, o que, às vezes, acabava deixando as cenas ainda mais intensas do que se fossem explícitas.


Depois da Segunda Guerra Mundial e pela década de 1960, as coisas começaram a mudar bastante em relação à censura no cinema. Movimentos sociais como o feminismo, a luta pelos direitos civis e a contracultura foram ganhando força, e com eles, o cinema também começou a questionar as normas da sociedade.


Na Inglaterra, por exemplo, surgiu os chamados Angry Young Men (Jovens Irados), cineastas que usaram o cinema para protestar contra a sociedade conservadora da época.

O Último Tango em Paris | Divulgação
O Último Tango em Paris | Divulgação

Filmes como A Luta Pela Vida (1963) e O Último Tango em Paris (1972) acabaram sendo censurados ou tiveram a exibição limitada devido ao conteúdo mais explícito, mas também abriram caminho para um jeito novo de falar sobre temas polêmicos como sexualidade, política e violência no cinema.


Na França, a censura também foi questionada, principalmente depois do movimento de maio de 1968, onde o cinema foi visto como um reflexo das mudanças sociais e culturais que estavam rolando.


Essa revolução que aconteceu no cinema nos anos 60 e 70, principalmente com a chegada de diretores como Stanley Kubrick, Martin Scorsese e Francis Ford Coppola, trouxe uma liberdade criativa muito maior.


Nos Estados Unidos, o Código Hays foi sendo deixado de lado aos poucos sendo substituído pelo sistema de classificação indicativa que conhecemos hoje, o que permitiu que os cineastas explorassem temas mais ousados sem as regras tão rígidas de antes.


Mas em países com governos autoritários ou totalitários, a censura no cinema sempre foi uma das ferramentas mais fortes para controlar o que as pessoas pensavam e para contar a história do jeito que o governo queria.


Na União Soviética, na época de Stalin, a censura era rigorosa, e os filmes eram usados para fazer propaganda e fortalecer as ideias do Partido Comunista. A criação de filmes que glorificavam o líder soviético ou que promoviam a visão de um futuro socialista era permitida, enquanto qualquer coisa que criticava o governo ou ia contra a visão deles era simplesmente proibido.


Aqui no Brasil, durante a ditadura militar (de 1964 a 1985), a censura também deu um impacto profundo na nossa indústria. Filmes como O Filho de João, Homem do Caroço (1965) e Terra em Transe (1967) foram proibidos ou ou sofreram cortes significativos.

Terra em Transe | Divulgação
Terra em Transe | Divulgação

Mesmo com as restrições sendo bem severas, muitos cineastas usaram a censura de um jeito esperto para esconder mensagens políticas, usando metáforas e simbolismos que, às vezes, passavam batido pelos censores.


Mas não pense que a censura no cinema sumiu completamente com o fim dos códigos e dos regimes autoritários. Em alguns lugares, ainda existem leis bem duras que limitam o que pode ser mostrado nas telas. Em países como a Arábia Saudita e o Irã, filmes que falam sobre liberdade sexual ou política são geralmente censurados, e os diretores precisam editar o filme para ele poder ser exibido.


E, além disso, a pressão crescente de alguns movimentos sociais e de certos grupos conservadores também criou uma forma de censura velada no cinema de hoje. Vemos filmes sendo modificados para agradar um público maior ou para não causar polêmica, em vez de explorar livremente a criatividade.


E a influência crescente das plataformas de streaming e das políticas de conteúdo delas também afeta como certos filmes e séries são feitos e mostrados, o que pode acabar limitando a liberdade de expressão no cinema.


A censura sempre foi um desafio constante na história do cinema, e a indústria teve que se adaptar às exigências da política, da sociedade e da cultura ao longo do tempo.


Às vezes, a censura serviu para controlar, mas também teve o efeito paradoxal de incentivar a criatividade, já que os cineastas eram obrigados a encontrar jeitos diferentes de expressar as suas ideias.


O cinema evoluiu para ser uma arte mais livre, mas a censura continua sendo um tema importante, desafiando cineastas e o público a refletirem sobre o poder da expressão e da arte em tempos de restrição.


Como cineasta e amante do cinema, eu acho essencial entender os impactos que a censura teve e ainda tem nas produções, para podermos, de alguma forma, proteger a liberdade criativa que faz do cinema uma ferramenta tão poderosa para se comunicar e para nos fazer pensar.

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