Artigo | Censura em Hollywood: O Impacto do Código Hays
- Jam Nascimento
- 15 de mai.
- 4 min de leitura

O cinema sempre foi uma forte ferramenta para contar histórias e influenciar a sociedade. No entanto, durante boa parte do século XX, a produção cinematográfica nos Estados Unidos esteve sujeita a regras rigorosas de censura.
Uma das mais marcantes foi o Código Hays, oficialmente conhecido como Código de Produção Cinematográfica, um conjunto de diretrizes que moldou o conteúdo dos filmes de Hollywood por décadas.
Segundo o historiador de cinema Thomas Doherty, "o Código Hays não foi apenas um sistema de censura, mas uma tentativa de padronizar a narrativa cinematográfica sob um ideal moral que se alinhava com a sociedade tradicional da década de 1930".
No início do cinema sonoro, a indústria cinematográfica enfrentava crescentes críticas por parte de setores conservadores da sociedade americana. Filmes com temáticas consideradas imorais, como violência excessiva, nudez e relações extraconjugais, geraram preocupação entre grupos religiosos e políticos.
Com isso, a Motion Picture Producers and Distributors of America (MPPDA), liderada por Will Hays, introduziu, em 1930, o código que não apenas impôs limites ao que poderia ser exibido nas telas, mas também refletiu a moralidade e os valores de uma época em que a influência de grupos religiosos e conservadores era dominante.

O Código Hays impôs três princípios fundamentais: nenhum filme deveria rebaixar padrões morais do espectador, o crime e o pecado nunca deveriam ser retratados de maneira a gerar simpatia e a lei divina e humana não deveria ser ridicularizada.
Dentro dessas diretrizes, diversas proibições foram estabelecidas, incluindo a representação explícita de nudez ou insinuações sexuais, o uso excessivo de violência ou brutalidade, a glorificação do crime ou de criminosos, a retratação positiva de drogas e alcoolismo e o uso de palavras ou expressões consideradas inapropriadas.
Além das proibições explícitas de certas ações e temas, o Código Hays exerceu um impacto significativo na forma como a sociedade era representada na tela.
Ao impor um ideal moral e social alinhado dominante, o Código frequentemente resultou na perpetuação de estereótipos e na exclusão ou distorção da representação de grupos que não se encaixavam nesse molde.
Personagens pertencentes a minorias raciais, étnicas ou sexuais eram frequentemente retratados de maneira caricatural, ou simplesmente apagados da narrativa.
Relações inter-raciais eram proibidas, e a homossexualidade só podia ser sugerida de forma velada, geralmente associada à devassidão ou à punição. Questões sociais complexas que poderiam desafiar o status quo ou questionar a "moralidade" estabelecida eram frequentemente simplificadas, ignoradas ou apresentadas de uma perspectiva que reforçava os valores conservadores.

Dessa forma, o Código não somente policiou o conteúdo considerado "ofensivo", mas também atuou como um filtro que limitou a diversidade de vozes e experiências retratadas no cinema, moldando a percepção pública e reforçando as normas sociais da época através da invisibilidade ou da representação distorcida.
O historiador Leonard J. Leff destaca que "o Código Hays não apenas refletia os valores sociais da época, mas também funcionava como um mecanismo de autopoliciamento da indústria, evitando que o governo interferisse diretamente no conteúdo dos filmes".
Inicialmente, o código não teve uma aplicação rigorosa, mas em 1934, com a pressão da Catholic Legion of Decency e de outras entidades conservadoras, foi estabelecido o Production Code Administration (PCA), garantindo que todas as produções seguissem as diretrizes impostas.
Isso resultou em uma grande transformação na produção cinematográfica. Muitos diretores e roteiristas precisaram recorrer a insinuações sutis para abordar temas proibidos.
Um ótimo exemplo é o filme Casablanca (1942), que sugeria de maneira implícita que a personagem Ilsa havia passado a noite com Rick sem nunca exibir a situação explicitamente. Outro caso famoso foi a frase "Frankly, my dear, I don't give a damn" em E o Vento Levou (1939), que quase foi censurada pela palavra "damn".
Alguns filmes tentaram burlar o código de forma criativa, como Gilda (1946), estrelado por Rita Hayworth, que utilizou coreografias e figurinos sugestivos para transmitir sensualidade sem quebrar as regras explicitamente. Quanto Mais Quente Melhor (1959), de Billy Wilder, desafiou as normas abordando temas como travestismo e ambiguidade sexual de forma cômica.

Porém, muitos filmes sofreram cortes ou alterações significativas para atender às regras do Código Hays. Serpente de Luxo (1933) foi um dos principais exemplos: a versão original retratava uma mulher que usava sua sexualidade para subir na vida, mas o final foi alterado para mostrar que ela recebia uma punição moral, alinhando-se às diretrizes do código.
O Proscrito (1943), estrelado por Jane Russell, enfrentou problemas por sugerir um erotismo velado através de closes e figurinos reveladores. Esses filmes mostram como os estúdios precisaram se adaptar à censura, frequentemente reescrevendo roteiros ou cortando cenas essenciais.
Com a evolução dos costumes e o crescimento da televisão nos anos 1950 e 1960, o Código Hays começou a perder força. Filmes como Psicose (1960) e Bonnie e Clyde (1967) refletiram uma sociedade em mudança e abriram caminho para uma nova era do cinema.
Em 1968, o código foi oficialmente substituído pelo atual sistema de classificação indicativa da Motion Picture Association of America (MPAA). Segundo a crítica Molly Haskell, "o fim do Código Hays não significou apenas uma vitória para a liberdade de expressão, mas também marcou o início de um cinema mais complexo e realista, capaz de abordar temas antes considerados tabu".
Apesar de sua extinção, o Código Hays deixou marcas profundas na indústria cinematográfica, representando um período de forte censura e controle moral. Muitos dos padrões narrativos e morais estabelecidos por ele ainda influenciam o cinema moderno. Além disso, a discussão sobre censura e liberdade de expressão continua relevante até os dias de hoje, especialmente com os desafios impostos pelas novas tecnologias e plataformas de streaming.
Embora tenha restringido a liberdade criativa de muitos cineastas, o Código Hays também incentivou soluções inovadoras na narrativa audiovisual. Seu legado persiste como um exemplo da tensão constante entre regulação e expressão artística no cinema.
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